A aula híbrida em ambientes de aprendizagem hipertextual traz à tona a importância de fatores que lhe são fundamentais enquanto elementos de base estrutural. Concorrendo com os aspectos técnicos do desenho instrucional, a composição imagética do complexo integrado de ambientes de aprendizagem hipertextual, além de base de toda a sua identidade visual, é também o que dá sustentação e corpo a uma aula que está em “lugar de”, portanto, uma representação. O híbrido em Educação constitui-se em paralelo ao desenvolvimento de um conceito de educação compreendido como “imagem de”.

Este é um campo de investigações ainda carente de contribuições. Em sua maioria, os trabalhos no campo da imagem aplicados à educação tendem a analisá-la como instrumento decorativo, ou como ilustração. Mesmo na área de EAD, os estudos que envolvem o emprego de imagens ou vídeos não os tomam como alegoria da aula do professor, mas como instrumento didático, aplicado como suporte ou lição específica; neste caso, aplicam-se ordinariamente princípios do design gráfico ou da comunicação social, ou, mais raramente, a princípios da fotografia como objeto estético.

Nenhum desses casos compara-se à aula do professor na educação formal, esta que é o objeto primário do Laboratório de Linguagens e Ambientes de Aprendizagem Hipertextual. Em sua fase atual, o laboratório vem desenvolvendo experiências sobre a constituição da imagem, mais particularmente, da fotografia, que dá sustentação e corpo à aula híbrida do professor; não a fotografia como suporte para o ensino, mas esta propriamente como representação da aula no complexo de ambientes hipertextuais integrados. Não se trata de um partir do zero, naturalmente, pois a fotografia conta uma vasta literatura que a analisa sobre os mais delicados aspectos técnicos, aos mais complexos aspectos socioculturais e estéticos desde o século XIX até os dias atuais – dias de foto e vídeo instantâneos, digitais, hipertextuais, vivos e populares como a cultura oral.

Imagem - Memória da fotografia; Registro 1: 2 fotografias de Cartier Bresson (homem negro trabalhador com peito desnudo, ao fundo, casco de pequena embarcação, cordas de atracação e muro de edificação portuária; registro de movimento congelado no tempo - homem correndo sobre jardim alagado, ao fundo ambiente urbano com tempo nublado); Registro 2: Foto documental registrando imagem rural da região norte-americana então denominada dust-bowl; Registro 3: Sebastião Salgado, mulher idosa e posição de desalento com as mãos sobre a cabeça e rosto; Registro 4: Lodi, cena de balé com dois bailarinos em movimento congelado no tempo, localizados sobre o alto de um morro, ao fundo o horizonte; Registro 5: Fotos jornalísticas, portrait de Luiz Inacio da Silva; registro ecológico com imagem de criança de pé com uma pá, pés afundados em lamaçal devastado pela deterioração ambiental; crianças em fuga seguidas por soldados em estrada durante a guerra do Vietnan, destaca para menina desnuda chorando em desespero com os braços abertos; Registro 6: Fotografia no cinema moderno, imagem de filme noir nortea-mericano dos anos de 1940, homem de chapeu, cigarro na boca e casaco longo, encostado em parede, cabeça baixa fazendo sombra.

Contudo, ainda é desafiadora a transferência desta fotografia que absorveu e foi absorvida pela espontaneidade da cultura oral, para um campo de extrema formalidade como a aula do professor. O que nos preocupa em Laborat é justamente a experiência da fotografia contemporânea como estrutura e representação da aula híbrida. Qual a linguagem de uma imagem que é ao mesmo tempo expressão de uma cultura hiperespacial e âncora de um espaço que é metáfora da educação formal?

A aula do professor tem duração mínima de 60 min ininterruptos, podendo, todavia, durar até 240 min, também ininterruptos, no caso de aulas e cursos de pós-graduação stricto sensu. Para o aluno, as condições de permanência em aula são diferentes quando em ambiente presencial e quando em ambiente virtual, mesmo em situações de streaming em tempo real ou teleconferência. Diversos aspectos formativos desenvolvidos no processo de aula em ambiente presencial são afetados em ambientes virtuais não presenciais, sejam síncronos ou assíncronos, especialmente a capacidade de atenção e concentração sobre objeto único por período longo, um dos objetos de formação mais centrais na educação formal. A imagem tem um papel fundamental no resgate das condições de permanência do aluno na aula híbrida e, consequentemente, no desenvolvimento das competências formativas esperadas no transcurso dos diferentes níveis de formação.

Imagem - Título da seção: Fotografia

A imagem que une e dá corpo à aula
A fotografia como base estrutural do complexo integrado de AAH

No espectro geral da imagem que compõe a aula híbrida, a fotografia é parte integrante de seu desenho instrucional e de sua identidade visual. Porém, a fotografia da aula agrega à sua imagem toda a dinâmica imagética capaz de provocar a imersão do aluno numa realidade virtual que emula a experiência de vivência presencial. Como nos diz Claudio Marra a fotografia nos conduz a viver em um mundo que é mera representação, explorando a dicotomia apresentação x representação (Fotografia e pittura nel Novecento (e oltre), publicado originalmente em italiano pela Editora Mondadori, em 2012). A fotografia é, portanto, o recurso que nos proporciona a experiência de estruturar ambientes de aprendizagem hipertextual coordenando a apresentação do real e sua representação como fenômeno de uma aula e de um professor que sempre estará à sua frente. Em Laborat, a fotografia é compreendida como produto e produtora de contexto e este contexto é a aula híbrida que se funde em um complexo sistema de ambientes de aprendizagem hipertextual.

Todos os tipos de experiências fotográficas são relevantes para a estruturação do mosaico de imagens e efeitos de apresentação e representação em ambientes integrados de aprendizagem hipertextual. Incluem-se aí a fotografia de produto ou objeto, todos os estilos e objetivos de fotografia humana, a foto-documentário e histórica, arquitetura e interiores, grandes perspectivas, enfim, todo tipo de fotografias.

Imagem - cinco fotografias de diferentes tipos e motivos distribuídas sob uma rede, simulando ambientes integrados em um sistema de imagens.

Imagem - Três fotografias de pessoa: Registro 1: Normal, com cor e campo aberto - cabeça, rosto e tronco; Registro 2: A mesma fotografia dividida em duas partes pela diagonal, com uma parte colorida e outra em tons de cinza; Registro 3: A mesma imagem com destaque de iluminação circular sobre o rosto e fundo escurecido.

Imagem - Três fotografias de objetos em diferentes abordagens; Registro 1: livro em destaque de iluminação entre outros objetos não destacados; Registro 2: bancos de madeira clara e almofadas coloridas, distribuídos em linha sobre superfície brilhosa recebendo sua sombra; Registro 3: pequena flor destacada por moldura simples aposta sobre o corpo da planta, que é fundo e sofre desfoque de lente.

Imagem: Três fotos em perspectiva de prédio em estilo Bauhaus.

Imagem - Fotografia colorida de paisagem urbana combinada a céu estilizado em tons de cinza.

Imagem - Título da seção: Dinâmica

Apresentar e representar: a alegoria da aula-imagem
As propriedades da fotografia como estrutura da aula híbrida

A fotografia tem a propriedade de conduzir o olhar daquele que a lê, explorando os recursos de objetivação do assunto como em um jogo de sedução, urdido nas formas de apresentar ou ocultar saliências, formar ou deformar contextos em perspectiva, mostrar ou sugerir. Esta propriedade, que deriva da fusão entre a técnica e a expressão – ou, entre o apresentar e o representar – é de grande interesse nas experiências desenvolvidas no laboratório de Linguagens e AAH, pois as dinâmicas de sedução do olhar sugerem tratar-se de um recurso com potencial para atender à questão da permanência do aluno em assistência durante todo o período de duração da aula híbrida. Resulta, portanto, interessante, também, como recurso no desenvolvimento dos objetivos formativos relacionados ao tempo de permanência do aluno em aula.

A interação entre a fotografia e o leitor é objeto de estudo sob diversos pontos de vista, já desde aspectos específicos da ciência poética a partir de meados do século passado, com os trabalhos pioneiros da Estética da Percepção e da estética europeia com nomes como o Luigi Pareyson. Na fotografia, fartos trabalhos sobre a identidade simbiótica da fotografia com relação a seu leitor, oriundos de leituras contemporâneas de nomes como Roland Barthes e Walter Benjamin, ou de estudos motivados na psicanálise de Jacques Lakan e outros. Nas experiências desenvolvidas no laboratório, exploram-se os recursos técnicos como instâncias reguladoras da permanência do aluno em aula, especialmente no que concerne à sua capacidade de orientar o olhar que observa e segue a aula em processo.

O processo da aula consiste na cadeia temporal de eventos que seguem a performance do professor, em sua presença ou a distância. No atual estágio de trabalho, as experiências em desenvolvimento no laboratório vêm explorando os recursos da fotografia da aula para a emulação do olhar do aluno em uma sala de aula presencial, em busca de uma definição para o que se possa ter como fotografia dinâmica da sala de aula. Um aspecto que já se encontra em processo de investigação é o emprego do mapeamento de pontos focais e níveis de profundidade, com os quais se obtém um efeito dinâmico mesmo sobre quadros fixos como a figura do professor em sala, utilizando-se de recursos mínimos.

Imagem - Montagem fotográfica de sala de aula e cinco alvos indicativo de pontos de foco diferentes da mesma cena.

Ainda com relação à marcação da cadeia temporal da aula coordenada ao olhar do aluno, exploram-se no laboratório diferentes recursos que possam ser empregados pelo próprio professor na introdução de marcadores visuais. A imagem a seguir reúne marcadores temporais em contextos de fotografia dinâmica veiculados em transmissões por teleconferência e pelo canal de streaming.

Imagem - Registros de diferentes recursos de marcadores visuais e da presença do professor, como perspectivas de foco e profundidade de campo, utilização de banners, capas de tela e apresentações interativas.

Imagem - Título da seção: Figura e Foco

A fotografia do professor
Figura e foco catalizador da presença e permanência em aula

Entre todos os recursos da fotografia da aula, nenhum tem maior impacto sobre o aluno do que a representação do professor, não como um personagem, mas como autor e agente da formação. Existe uma relação de confiança entre o professor e seu aluno, no âmbito de um contrato presumido de alguém que tem o papel de ensinar e alguém, o de aprender. Tal relação é inerente à aula na educação formal. Experiências já realizadas no laboratório constataram que o risco de perda de assistência à aula aumenta substantivamente toda vez em que o aluno perde contato direto com a figura do professor.

A fotografia do professor é um objeto específico das investigações em andamento nas experiências de formação do laboratório de Linguagens e AAH. Interessa investigar não somente como fotografar, mas também, o que fotografar na figura do professor e como torná-lo objeto focal durante toda a dinâmica da aula.

Imagem - Imagem do professor sobre a qual se apresentam registros de pontos de iluminação, áreas prioritárias de exposição, ponto de foco dinâmico.

Referências

BARTHES, R. (1980) La chambre claire : note sur la photographie. Paris: Gallimard.
BENJAMIN, W (2018[1936]) A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. Trad. Portuguesa: Porto Alegre: LP&M.
CARBONI, M.C. (2020) Fotografia, registro sem documento. In: Galáxia (São Paulo) n. 44 Disponível em: https://doi.org/10.1590/1982-25532020242527.
CARVALHO, C. A. et al. (2021) Contextualização e complexidades temporais: um exercício a partir da narrativa jornalística. In: Intercom: Revista Brasileira de Ciências da Comunicação v. 44(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1809-5844202123.
CORDEIRO, M. (2015) Do Efeito ao Paradigma: Narciso, Medusa e Pigmalião. In: ARS (São Paulo) v. 13(26). Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2015.106083.
COSTA, L. C. (2016) O contato com o mundo: ambiguidades da fotografia de Mathieu Pernot. In: ARS (São Paulo) v. 14(27). Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2016.117629.
MARRA, Carlos (2012) Fotografia e pittura nel Novecento (e oltre). Roma: Mondadori.
SANZ, C. L. (2014) Entre o tempo perdido e o instante: cronofotografia, ciência e temporalidade moderna. In: Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas v. 9(2). Disponível em: https://doi.org/10.1590/1981-81222014000200011.